COMUNICADO EXTRA, EXTRA, EXTRAORDINÁRIO

A ocupação da reitoria da Universidade de São Paulo pode ser vista como uma reação, dos estudantes e funcionários organizados, à falta de democracia nesta universidade? 
Viveremos de greve em greve, e de ocupação em ocupação pontuais, ou seremos capazes de organizar, reinvidicar e executar um processo de transformação das normas e do sentido que regem esta universidade?
Numa universidade pública, educação e política devem ser, e são, sinônimos. Quem insiste na separação desses termos ou disso tira vantagem, ou ainda não se deu conta de onde está. 
Estamos aqui para alertar.
 
 
CONVIDAMOS TODOS OS PROFESSORES,
TODA A COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA E, ENFIM,
TODA A SOCIEDADE (EXCETO A GRANDE MÍDIA),
PARA PARTICIPAR DO GRUPO DE DISCUSSÃO SOBRE ESTATUINTE QUE OCORRERÁ AMANHÃ, SÁBADO, ÀS 17:00, NA REITORIA OCUPADA.
 

Um texto para incentivar o debate:

 
  
Aos orgãos da FFLCH, solicitaria a divulgação desta manifestação de apoio aos estudantes, funcionários e professores em greve, tanto no âmbito da FFLCH como fora dela.
 
Recebi pela internet dois documentos de grande importância, destacando-se o manifesto assinado por vários professores da FFLCH, de outras unidades da USP e outras Universidades estaduais, em resposta à manifestação do Professor Sergio Adorno sobre o atual movimento estudantil em defesa das Universidades públicas estaduais, ameaçadas de perda de autonomia pelos recentes decretos do Governador do Estado. Em que pesem alguns desmentidos por parte deste, parece tratar-se de mais uma tentativas de emascular a Universidade  pública brasileira a partir de um de seus mais importantes núcleos, as tres Universidades paulistas.
 
Lembro neste momento um episódio recente (governo anterior) que modificou profundamente os Institutos de Pesquisa do Estado de São Paulo. O exemplo do que ocorreu com o IAC é significativo: perdeu suas estações experimentais, transformadas em mini centros autônomos (sem recursos), algumas seções foram praticamente eliminadas, diminuindo a capacidade de trabalho daquela instituição. Outros institutos de pesquisa sofreram também a ação "disiplinadora" do governo, com transformações nem sempre desejaveis.
 
Vemos, agora aparecerem jusficativas sobre os decretos, entre elas uma que já constava da plataforma eleitoral do então candidato: seriam incentivadas as Faculdades Técnicas (porém não exatamente como as FATEC's), mais importantes para a sociedade (qual ? quem?) do que as Universidades. Porém a própria FATEC sofreu os efeitos do decreto, além da FAPESP: foram desligadas de onde estavam e passaram para outra Secretaria de Estado onde, fatalmente, perderiam parte (grande ? pequena?) de suas prerrogativas atuais. Abrem-se as torneiras para o financiamento das empresas e diminue o fluxo para a pesquisa de ponta, realizada nas Universidades. Só para lembrar, dois fatos:
 
1- as tres Universidades paulistas são responsáveis pela da maior parte dos conhecimentos gerados anualmente no Brasil;
2- grande parcela desse conhecimento é produzido pelos estudantes de pós-graduação.
 
É óbvio que restringir os recursos para a pesquisa, ameaça que paira no ar com os decretos e as intenções do atual governo, seria dificultar ainda mais o funcionamento desse sistema já por si carente de recursos, apesar dos brilhantes resultados.
 
A idéia da produtividade em ciência e pesquisa nada tem a ver com a idéia de produtividade dos setores econômicos, que  muitas vezes raciocinam apenas em termos de avanços tecnológicos: sem a pesquisa fundamental não há avanço tecnológico, há apenas cópia (nem sempre boa) do que é feito lá fora. A qualidade da pesquisa não pode ser contabilizada quantitativamente, porque ela é tão sómente qualitativa.
 
Nesse sentido, lembro de episódios um pouco mais antigos, que datam ainda dos anos em que saiamos das trevas da ditadura para anos mais arejados. Foi a famosa greve das Universidades paulistas no governo Maluf. Lutava-se por um aumento salarial, em tempos de inflação galopante, tinhamos de nosso lado um jovem economista que  mostrava por A+B que havia dinheiro nos cofres do erário capás de atender nossas reinvidicações.
 
Quase nada recebemos e mas com a mudança de  patrão no governo (Montoro) abria-se uma esperança: o jovem economista (José Serra) fora guindado ao posto de Secretário (da Fazenda? do Planejamento?). Não houve nenhum avanço nas negociações salariais e, para surpresa de muitos, aquele que havia demonstrado haver dinheiro suficiente para os aumentos no governo Maluf, usava agora os mesmos argumentos que havia combatido, para dizer não ser possível atender nossas por falta de…dinheiro. Nova greve sobreveio.
 
Quero terminar este longo comentário com um pouco da memória da Faculdade de Filosofia.
Com razão lembram meus colegas, autores/assinantes do manifesto "SOBRE A DESOBEDIÊNCIA CIVIL", que "as ações diretas que desobedecem o poder político não são um mero uso de força…mas um uso que aspira mais legitimidade que as ações daqueles que controlam os meios legais de violência". "Há assim, na desobediência civil, uma disputa de legitimidade entre a ação legal daqueles que controlam a violência do poder do estado e a ação daqueles que fazem uso da desobediência reinvidicando uma maior justiça de propósitos".
 
FFCL: remember 1968 quando professores invadiram a sala da Congregação, no último andar da antiga Faculdade de Filosofia na rua Maria Antônia, e assumiram o poder.
A Faculdade de Filosofia era a própria idéia de Universidade, não havia nenhum Instituto que a reforma de 1970 criou: todos a ela pertenciam.
O que se buscava: a reforma dos Estatutos. Quase imediatamente criou-se a primeira Comissão Paritária na USP, tripartite entre professores, estudantes e funcionários, sob a regência de nada menos que ANTÓNIO CANDIDO. Apesar da ditadura militar, de ameaças à nossa integridade física, passamos imediatamente a trabalhar, criando várias Comissões, cada uma tratando de um tema.
Foram 4 meses de trabaho! Que reuniões fantásticas na sala da esquerda do hall de entrada: discutia-se a Universidade, a Sociedade, o momento dificil que passavamos no país. Quantos ainda estão por ai, passados 39 anos?  
 
Era a desobediência civil contra o poder estabelecido dentro da Universidade, naquela época o
reitor também não era escolhido pela comunidade, só os membros do Conselho Universitário tinham direito de voto; a Faculdade de Filosofia, em que pesasse ser a maior unidade da USP, contava com apenas 1 votoi! 
Mas a luta era também contra o poder politico externo, o que valeu no inicio de 1969 a aposentadoria compulsória de inúmeros professores como Florestan e Otavio Ianni que, por sinal, nem da Paritária foram!.
Mas o movimento espraiou-se pela outras unidades e logo em todas elas outras tantas Paritárias foram criadas.
 
A desobediência civil da época obrigou o C.U. a mexer-se e, em 1970, novo estatuto foi outorgado: era o fim da cátedra. criavam-se os departamentos, mas diminuia-se o poder politico da Faculdade com a criação dos Institutos. Foi um pouco o dividir para reinar.
 
Também daquele movimento sairam vários companheiros uns para o exílio, outros para a luta clandestina e com freqüência a morte. Mas alguns sobraram: lembro uma frase de NABOR RUEGG que dizia ser importante a resistência para que, quando viessem tempos melhores, houvesse gente tornando possível recomeçar.
É a desobediência civil que permite caminhar para a frente: em tempos atuais, nossa sociedade mostra isso de sobejo com os movimentos dos sem nada.
 
O estudantes estão mostrando o que é desobediência civil: não se trata de acoima-los de minoria, insensatos ou coisa que o valha: eles estão tendo a coragem de empunhar a bandeira da desobediência civil, que é o que faz a sociedade ir para a frente.
 
José Pereira de Queiroz Neto
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