Manual de civilidade e luta contra a política educacional do governo Serra O posicionamento favorável, mesmo quando não verbalizado explicitamente, à política educacional implementada desde 1º. de janeiro deste ano pelo governo José Serra, tem levado certos membros da comunidade acadêmica a atacarem, direta e indiretamente, os métodos de luta adotados pelo movimento organizado contra esta política. Entendemos que tais membros da comunidade acadêmica parecem estar empenhados em esvaziar o debate acerca do conteúdo dos decretos aprovados por esse governo que infringem o princípio constitucional da autonomia universitária, ou melhor, estão interessados na despolitização deste debate. Colocando-se como a porta-voz da democracia nas universidades públicas paulistas, a professora da USP Maria Hermínia Tavares de Almeida, em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo neste sábado (19 de maio), nos oferece um claro exemplo dessa tentativa de despolitizar o debate, quando apela para um discurso moralizador que visa civilizar os protestos e assim deslegitimar os métodos de lutas adotados pelo movimento contra a política educacional do governo Serra. Nesta curta entrevista, a professora titular do departamento de Ciência Política da USP apresenta-nos um esboço de manual de civilidade que deveria ser seguido à risca pelos participantes dos protestos contra a administração tucana para que o convívio democrático, "tolerante", "civilizado" e "racional" não deixasse de existir nas universidades públicas paulistas. De acordo com esta professora, somente a conduta civilizada e racional dos membros da comunidade acadêmica ofereceria as condições necessárias para o desenvolvimento de um debate plural no interior da universidade e desta com o atual governo estadual. Barricadas, "invasões" (sic) de reitorias entre outros métodos utilizados pela massa irracional são considerados assim como ações indesejáveis por supostamente colocarem em risco as "regras de convivência" da universidade. Resta saber a quais regras a professora faz referência. As da imaginação dela? Aqui o silêncio se impõe… Poderíamos nos perguntar: o governo Serra está interessado no debate plural? Se sim, por qual motivo este governo implementou os principais pontos de sua política educacional no período de férias das universidades públicas paulistas, quando tendencialmente as associações docentes, os sindicatos dos trabalhadores e os centros acadêmicos dos estudantes dessas universidades encontram-se desarticulados? Seria um mero acaso? Acreditamos que não, mas isso não é problema para a defensora do debate plural, civilizado e racional. O que a incomoda e deve perturbar muitos de seus pares são aqueles que ocupam reitorias e fazem barricadas em defesa da autonomia universitária, da liberdade de ensino e pesquisa, da contratação de docentes e técnico-administrativos, da ampliação e liberação do repasse de recursos financeiros para as universidades públicas, da existência de fundações de amparo à pesquisa não submetidas à lógica daquilo que é vendável no mercado de patentes ou outros tantos. Enfim, aqueles que criminalizam a luta dos movimentos organizados contrários à política educacional do governo Serra parecem não estar dispostos, ao contrário do que muitas vezes afirmam, a lutar contra a precarização da educação, a defender a democratização do acesso ao ensino e a negar o modelo de pesquisa submetido aos interesses do grande capital. Os moralistas que se colocam como porta-vozes da "verdadeira" democracia deveriam se perguntar quem está fundamentalmente atacando o mínimo de democracia burguesa que temos. Como não acredito em duendes ou em coisas similares não posso esperar que a revogação dos decretos do governador Serra se dê nos moldes das "regras de convivência" universitária vigentes, ou como num banquete em que todos sentam à mesa de modo "educado" e se alimentam de acordo com a ordem dos pratos estabelecida pelo anfitrião da festa. Danilo Enrico MartuscelliDoutorando em Ciência Política Unicamp
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