OCUPA! PORQUE AMANHÃ JÁ É HOJE

Abaixo segue um trecho do texto enviado por Jean Pires de Azevedo Gonçalves, Bacharel em Geografia e Mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo

 

OCUPA! PORQUE AMANHÃ JÁ É HOJE

 

 

 * * * * * 

 

 

Ao passar pela reitoria agora, e ao observar sua fachada sóbria, me vem a imagem das barricadas de pneus coloridos, para dar um toque de irreverência, e das faixas, pichações e grafites da Ocupação. A Ocupação foi o movimento mais importante, no meio estudantil, dos últimos vinte anos pelo menos. Nunca uma greve na USP, que hoje, como se costuma dizer, já faz parte do calendário escolar, repercutiu tanto como esta. A Ocupação era, ao contrário do que se insinuava, a própria greve: no momento em que a Ocupação findou, a greve também acabou. Durante o período em que a ameaça de uma ação da tropa de choque se fazia iminente, furgões com antenas que iam até o céu, da imprensa espreitavam, como abutres negros, dia e noite a Ocupação. Também não houve um único jornal que não noticiou diariamente a Ocupação. A Ocupação foi um momento ímpar que canalizou uma série de reivindicações que extrapolavam a esfera elitista da maior universidade do país. O que estava em jogo, não era apenas a revogação dos decretos e aí continuar tudo como estava, mas se vislumbrou a possibilidade de um questionamento que ia para todas as direções. Colocou-se em questão, por exemplo, o sucateamento do ensino público, fundamental e médio, já consolidado; o fim do vestibular; a exclusão dos proletários e dos negros da universidade pública e de qualidade; os conflitos no campo e na cidade; a falta de moradia; a violência generalizada; os efeitos da sociedade de classes; a Universidade Livre; e tantas outras coisas que se interligavam e que se confluíam e transformavam a Ocupação na ponta do iceberg das demandas sociais. De fato, andando pelas ruas, alguma pessoas que nunca tiveram a oportunidade de entrar numa faculdade perguntavam para mim por que a tropa de choque não despejou os estudantes. A resposta podia ser dada pelos próprios alunos da USP: “Você acha que a tropa de choque vai entrar aqui, cheio de gente da classe média, média alta e alta, cheio de filhos de figurões importantes, como juízes, políticos, etc.?” Esta era também uma das explicações para a baixa participação dos alunos moradores do CRUSP na Ocupação: “só tem filhinho de papai lá” – explicação esta, diga-se, falaciosa, pois a participação inexpressiva dos cruspianos se deve muito mais há uma estratégia de mudança do perfil dos moradores, cada vez menos engajados em assuntos políticos, empregada pela administração da Coseas. No entanto, a pergunta que se devia fazer era o por quê da tropa de choque desbaratar freqüentemente com truculência acampamentos de sem-terra, ocupações de sem-teto, manifestações de camelôs, etc. Isto porque as leis, como bem demonstras Kafka, são inacessíveis ao povo, os guardiões, um mais terrível que outro, guardam os seus portões. Talvez mesmo o termo “invasão” seja o mais explícito e correto: não concordamos com estas leis que são um instrumento de uma classe para punir e controlar as demais! Ou talvez devêssemos pensar em outro modelo e ainda manter o termo “ocupação”. Aliás, vide a resistência do Prestes Maia, a maior ocupação da América Latina, invunerável à tropa de choque.

     Porém, um fato pode surpreender, numa das reuniões da Ocupação, quando se perguntou quantos alunos provinham de escolas públicas, a maioria levantou a mão…

     Por outro lado, a Ocupação da REItoria, longe de ser perfeita, de alguma forma conseguiu aglutinar demandas que lhe eram alheias e se tornou universal, independentemente de sua vontade, como se mencionou acima. Seu poder simbólico e real foram assustares. O status quo tremeu: ora, no ano passado, o PCC; agora, os estudantes que invadiram a reitoria da maior universidade do país. Evidentemente, não se pode comparar estes dois “atores sociais”, a Ocupação caminhava para um sentido de transformação social, por si só, sem violência, com poesia; ao contrário daquele, que reafirma o sistema só que por um outro lado. De fato, a Ocupação caminhava para essa radicalidade. O que ela poderia, com seu exemplo, deflagrar pelo resto do país? Realmente, preocupante! Seu turbilhão de reivindicação superava interesses salariais, acordos espúrios, bagatelas do tipo 5%, 10% de alguma coisa, etc. Como recebia uma das faixas quem entrava pelo saguão da REItoria, fazendo memória ao Maio de 68 e aos Situacionistas: “Sejamos realistas, façamos o impossível!”. O próprio professor Henrique Carneiro, do PSTU, narrou na Ocupação que Maio de 68 começou com reivindicações mínimas para, depois, as barricadas tomarem as ruas. Então por que os partidos e facções políticas fizeram de tudo para refrear esta possibilidade? Só mesmo a sua institucionalidade pode explicar tal fato: talvez jogo de poder ou apropriação e controle das abstrações políticas em si mesmas. Ou seja, mudar para não mudar nada.

     Neste sentido, a Ocupação possibilitou mesmo a livre participação política de qualquer um, sem necessariamente estar ligado a um grupo partidário. Trouxe a oportunidade de todos se manifestarem em pé de igualdade. Socializou a participação política, dando luz as trevas da alienação política. Portanto, num certo momento, as pessoas lá não queriam delegar suas decisões e reduzir sua participação apenas ao ato de levantar os braços nas votações, relutavam em ser massa de manobra e aceitar tudo de cima para baixo. Aliás, como na Ocupação se insurgiu contra as manobras ou ao aparelhamento dos espaços de reunião. A Ocupação, quiçá, chegou muito próxima ao ideal da democracia direta!

     Por isso, discordo totalmente da retórica vazia que era usada e abusada pelos partidos. Quando se dizia, por exemplo, que a Ocupação era meramente um símbolo e, sob tais conjunturas, eram necessários instrumentos mais eficientes de negociação, pergunto: desde quando um símbolo não é um instrumento, está aí a ideologia que não me deixa mentir. E por que a Ocupação não é um instrumento eficiente? A repercussão nos meios de comunicação e na sociedade jamais vista em uma greve da USP nos últimos anos talvez responda esta pergunta, com uma pequena ressalva, a Ocupação acabou roubando a cena. Mas se aceitássemos o argumento, um símbolo é uma representação, vazia e estática, distante da/ou forjando uma realidade, podendo ser usado para o bem ou para o mal. Todavia, nada indica que na realidade a Ocupação foi um símbolo, senão por força do discurso. Talvez o termo mais adequado seja exemplo ou modelo, assim como foi Maio de 68, e o seu significado, repleto de conteúdo, foi a sua história original que mobilizou estudantes e não-estudantes de todo o país. E, verdade seja dita, seu mote primordial está assentado ou inspirado no Segundo Congresso dos movimentos sem-terras: “Ocupar, produzir, resistir”. Quanto aos termos quase metafísicos “fluxo”, “refluxo”, “correlação de forças” etc., e frases repetidas a exaustão, de acordo com o movimento das marés, do tipo “é preciso analisar a correlação de forças e compreender que o movimento está em refluxo (ou em fluxo)”, perguntamos, que “forças” ou desde quando o movimento operário ou dos explorados não esteve algum dia em refluxo? Os trabalhadores sempre estiveram em desvantagem, suas conquistas demandaram muitas perdas, infinitas vezes maiores do que a dos dominantes. Basta lembrar que meses depois da Revolução de Outubro, em 1917, foram proibidas greves e reivindicações sociais como bem relataram em correspondências os camaradas anarquistas, perseguidos – e, não raro, torturados – pelo regime totalitário leninista. Talvez, diante de todo esse espetáculo, devêssemos lembrar o anarquista russo, Suvarin, do romance “Germinal” de Émile Zola: “Besteiras!” Assim, se os trabalhadores tivessem que esperar o “fluxo” ou a misteriosa “correlação de forças”, ficariam sentados esperando. Tal perspectiva vai mesmo contra a práxis marxista. Quanto aos argumentos que faziam entender que a convivência na Ocupação estava insuportável, que “as pessoas estão se matando lá dentro”, que tipo de socialistas são estes que não conseguem viver em paz e harmonia consigo mesmos, com seus irmãos de idéias? E é bom que se diga que esse argumento também foi usado por quem sequer passou uma única noite na Ocupação! A retórica variava então de acordo com as conveniências e interesses, se era oportuno dizer que só estudantes podiam participar do movimento, então defendia-se isto com unhas e dentes.

     Vale lembrar que o objetivo que se coloca como finalidade do movimento são as “negociações”. Isto implica no mínimo numa coisa, a redução drástica das reivindicações mais gerais. Num outro sentido, significa reafirmar a política como um balcão de supermercado, isto é, arraigada na lógica capitalista da equivalência, na lógica da troca (de mercadorias). Quando pensamos na palavra “negócio”, o que vem primeiro à nossa mente? Um estabelecimento comercial ou empresarial; um empreendimento; uma compra e venda etc. E é exatamente este o sentido mais abrangente desta palavra. A política entra aí como sócio menor, e todas as artimanhas do comércio ou as transações capitalistas são referências estruturais do modelo político atual. O ideal é chegar ao meio termo sempre, isto é, fazer um bom acordo, um bom negócio. Vale lembrar também que alguns políticos fizeram da política um excelente negócio, um negociarrão! em suas negociatas de bastidores. Assim, é preciso repensar o modelo de se fazer política, quem sabe até propor a auto-gestão nos devidos termos. Exigir dos partidos uma radicalidade crescente, é esperar um rompimento deles com a própria institucionalidade, algo mesmo que poderia por em xeque as suas existências enquanto partidos.

     Deste modo, quando penso na mesa das assembléias formadas apenas por independentes e das críticas que sofreu por sua inexperiência, penso que neste jogo a inexperiência e a ingenuidade talvez sejam mesmo um grande valor moral.

     A Ocupação não foi impassível de críticas. Muitos alegaram, por exemplo, que a Ocupação foi muito bem comportada, nos moldes do “polilticamente correto”, e não teve a ousadia dos anos 60, 70 e 80. Outros fizeram críticas pertinazes com relação ao sistema de entrada que exigia a identificação através da carteirinha tal qual a portaria 1 da cidade universitária. Enfim, tampouco houve a tentativa de se pensar um projeto consistente de transformação social. Todavia, existia uma pontencialidade que parecia rumar para a radicalização, e, além disso, foi uma grande experiência, um aprendizado, como costumava se dizer por lá. Aquela gente toda tentando dialogar, tentando fazer valer suas posições, participando de um processo histórico, foi algo excepcional. Nunca mais vou esquecer de algumas pessoas, de alguns rostos, de alguns olhares. Afinal, tomamos a reitoria, tomamos a praça do relógio, tomamos o relógio, tomamos o tempo! Quem sabe uma alusão ao refrão de Vandré, “quem sabe faz a hora não espera acontecer”. Foi o filósofo Heidegger quem deu a maior atenção à palavra ocupar/ocupação que, se bem entendi, designava fazer-se presente ou o apropriar-se do mundo pelo ser-no-mundo. Com a Ocupação aprendi uma lição profunda de tão simples, a vida acontece agora, e o futuro está presente nesse agora, de modo que a utopia não é uma espacialidade ou temporalidade distante num horizonte à nossa frente mas, o amanhã que já é hoje. Ainda posso ouvir: Ocupa! Ocupa! Ocupa! Ocupa!

Jean Pires de Azevedo Gonçalves,

Bacharel em Geografia e Mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo

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Um Toque de Humor II

 

Esta charge revela tudo o que passavamos na mão da maioria dos grandes veículos de comunicação. Ops, revela ainda tudo o que estamos passando após a desocupação, com a temporada de caça às bruxas (criminalização do movimento) instaurada…

 

 

 

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Um Toque de Humor

 

 Esta é uma charge feita pelo aluno Henrique Xavier da Física/Usp…

 E a reitoria ainda afirmava estar aberta a negociações….

 

Henrique Xavier, Aluno da Física da Usp
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POLÍTICA É PARA ESTUDANTE, SIM

 

Plínio Antônio Britto Gentil

Procurador de Justiça – Doutor em Direito das Relações Sociais – Professor do curso de Direito do IMESB 
 

     Depois de uma longa negociação, os estudantes da USP, em S. Paulo, deixaram a reitoria da universidade, que tinham ocupado há quase dois meses. O Jornal da Globo deu a notícia, no dia 22 de junho, e logo tascou no ar alguém intitulado cientista político, para dizer que estudante bom é o que só estuda e que política não é coisa para se fazer na universidade. Disse, com outras palavras, que bom mesmo é estar tudo calmo, em paz, mesmo que essa paz seja como aquela encontrada nos cemitérios, que é compulsória.

     É de pasmar. Em pleno regime democrático, o Brasil que se alimenta da TV é obrigado a engolir preciosidades como essa, que deviam ter sido enterradas junto com o regime militar, finado há mais de vinte anos. Utilizando o mesmo argumento, o ministro da Educação do governo Geisel disse a estudantes que preparavam uma passeata que ficassem em casa. Rolava o ano de 1977 ou 1978. Por esses tempos foi que o coronel Erasmo Dias, secretário da Segurança de S. Paulo, comandou uma covarde invasão da polícia militar à PUC, com saldo de uma imensa depredação e vários estudantes feridos, alguns com queimaduras graves. Do perigoso material subversivo que a tropa foi lá procurar, encontrou livros de ciências sociais e faixas pedindo anistia e uma assembléia constituinte.

     A democracia veio, em parte pelas mãos do próprio governo, que acabou com os poderes ditatoriais do presidente e mais tarde aprovou a Lei da Anistia. Depois veio a Constituinte. Mas para a mentalidade oficial, a dos que dominam, que se expressa através da Globo, política não é coisa para estudante; crise estudantil, se for brava, é caso de polícia.

     Isso não é assim por acaso. Com a redemocratização do país, instalaram-se governos civis e, de Collor para diante – exceção feita ao período de Itamar Franco – passou a vingar, na economia e na política, o sistema chamado de neoliberal. Em nome dele foi reformada a Constituição e dela excluídos certos direitos sociais duramente obtidos e implantados em 1988. As “vantagens” dessas reformas, apregoadas pela mídia comprometida com o poder, não passam do resultado de pressões do grande capital financeiro que investe no Brasil, ou que financia a compra de nossos produtos, em geral matéria-prima, e que vê nos direitos trabalhistas, na previdência social e nas formalidades do nosso direito processual obstáculos para os seus ganhos.

     Resumindo a ópera, nossa democracia é apenas formal, já que o grosso da população vota mas não manda nada. Nosso sistema econômico é muito conveniente para quem tem capital para investir a custos baixos, pagando salários de fome, e de preferência não tendo compromissos com a melhoria da vida do povo. É invejável para os bancos, que há muito tempo não lucravam tanto. É fantástico para os políticos profissionais, que, em regra, representam os interesses de quem tem dinheiro

     Claro, portanto, dentro dessa lógica, que estudante é feito para estudar e política é coisa para políticos. Quanto mais chucra, dócil e passiva for a população, feita na maioria de assalariados, mais tranqüila será a vida do capitalista e dos que o representam no aparato do Estado. E onde, por definição, se forma – ou deveria se formar – uma camada de gente pensante? Na universidade. Ora, então é preciso convencer os universitários de que eles não têm nada a ganhar se metendo onde não são chamados.

     Alguns dirão que os estudantes da USP – e seus colegas de outras instituições públicas – são privilegiados justamente porque estão lá e que, por isso, não são porta-vozes da massa assalariada. São privilegiados sim. Pela mesma lógica da desigualdade de oportunidades entre os que têm e os que não têm, os alunos dos cursos superiores públicos e gratuitos são, em boa parte, aqueles cujos pais desembolsaram rios de dinheiro para lhes pagar o ensino médio e o cursinho. Mas é aí que está o valor das suas manifestações. Porque são pessoas de famílias que, no mínimo, se dão bem no sistema e que poderiam ficar caladas pois, de um jeito ou de outro, acabarão se virando na vida: escaparam do destino de miséria e desilusão de quem vive na pobreza. E também porque falam menos por si e muito mais em nome dos desfavorecidos abaixo deles. São estes, na verdade, que sofrem mais duramente os efeitos de um sistema educacional centrado na escola-empresa, regida pela competição mais despudorada e que faz do ensino o equivalente a uma lata de conservas numa prateleira, cujo valor é determinado pelas leis do mercado.

     Numa nova versão do “crescei e multiplicai-vos”, que dispensa investimentos estatais, esse modelo educacional foi alavancado no Brasil pela mesma onda que impôs reformas na previdência e que ameaça direitos trabalhistas E que fala em parcerias do Estado com empresas privadas, como se isso fosse um achado e não uma forma disfarçada de cada vez mais comprometer o poder público com interesses particulares, em benefício dos últimos.

     Para quem não se lembra, o movimento dos universitários que, com erros e acertos, culminou com a ocupação da reitoria da USP, desabrochou justamente por conta de mal explicados – para dizer o menos – decretos do governo estadual que representam uma aproximação das universidades públicas ao modelo das particulares, subservientes às leis do mercado.

     Pois bem. Os estudantes mudos e distantes da política que a mentalidade oficial sugere, pela voz da Globo, são aqueles acomodados que permanecem no conforto que sua posição lhes proporciona; são os que, trinta anos atrás, não se solidarizaram com os colegas da PUC espancados e queimados porque pediam anistia e constituinte; são os que não percebem que é impossível estar vivo e não fazer política e que a omissão é, sim, uma atitude política, mas conveniente apenas para quem tem o poder nas mãos; são os que fingem não notar as enormes injustiças de um sistema que incentiva o “ter” mas não permite que todos “tenham”; são aqueles que perderam a capacidade de se indignar com os desmandos dos  poderosos que usam o Estado para dar tudo aos amigos e “a lei” para os outros. Não são estudantes, são mortos. Seus corpos descansam do que nunca fizeram e gozam a doce paz dos cemitérios.

 

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Pós-Ocupação

Dando vazão a necessidade de muitos de expressarem seus pontos de vista sobre o que foi e o que é a ocupação abrimos espaço para as análises da galera. Enviem textos para o e-mail da ocupação e publicaremos.


 Inaugurando a categoria "análises" temos os texto de Elizabeth Araújo Lima, Professora do Curso de Terapia Ocupacional da USP,   Naiada D. Barbosa, Estudante de pós-graduação, Bruna Taño , Estudante de Terapia Ocupacional da USP. As fotos são da Renata Monteiro Buelau , Estudante de Terapia Ocupacional da USP.

São Paulo, 26 de junho de 2007. 
 
 


 

 

Para não matar seu tempo, imaginou:

vivê-lo enquanto ele ocorre, ao vivo:

no instante finíssimo em que ocorre,

em ponta de agulha e porém acessível;

viver seu tempo: para o que ir viver

a agulha de um só instante, plenamente.

Plenamente: vivendo-o de dentro dele;

habitá-lo, na agulha de cada instante,

em dada agulha instante: e habitar nele

tudo o que o habitar cede ao habitante.

      João Cabral de Melo Neto

Ocupar o intensivo: por uma micro-política da ocupação

Elizabeth Araújo Lima

Professora do Curso de Terapia Ocupacional da USP 

      Os estudantes da USP invadiram a reitoria e lá ficaram, ocuparam-na. Instauraram um acontecimento, criando barricadas no tempo cotidiano do trabalho universitário. Abriram espaço para novas formas de luta e para a invenção de uma nova política. Ocupação. Ocupar espaço, território, tempo, mas também e, sobretudo, ocupar o intensivo de um acontecimento que não se esgota ali naquele prédio nem naquela ação.

      O movimento dos estudantes foi deflagrado pelos decretos do governo Serra que ferem a autonomia universitária e pela ausência de resposta a esses decretos por parte da reitoria da USP, mas também da comunidade acadêmica em seu conjunto. Até a invasão da reitoria os sindicatos de professores e funcionários da USP parecem ter sido os únicos grupos no interior desta universidade, além daqueles dos estudantes, a se manifestarem em relação ao alcance e aos riscos que os decretos representam para a universidade pública.

 

      Os decretos encontraram uma comunidade universitária em marasmo, na qual os professores – cada um a seu modo – buscam sobreviver e insistem no trabalho na universidade pública, muitas vezes sem se dar conta que este trabalho tem se tornado cada vez mais privado. Privado não somente no que diz respeito às formas e critérios de financiamento das pesquisas, ou ao espaço cada vez maior ocupado pelas fundações, mas privado, sobretudo, no sentido que lhe dá Hannah Arendt, destituídos que estamos, cada vez mais, de ligarmo-nos e separarmo-nos uns dos outros por um mundo comum e de realizar algo mais permanente que a vida de cada um. Ficamos privados do mundo comum quando nossas ações e nossos discursos ao invés de construírem a teia das relações entre os homens, são cada vez mais reduzidos ao denominador comum de um labor voltado à manutenção da sobrevivência pessoal e coletiva – publish or perish – e à produção de conhecimentos a serem rapidamente consumidos no mercado das publicações, que com a mesma rapidez se tornam obsoletas.

      Mas me parece que os estudantes agiram, também, arrastados por um acúmulo de insatisfações que ficaram expressas na extensa pauta de reivindicações do movimento.  Insatisfações que vão, talvez, da decepção com um governo marcado por uma corrupção que parece já assimilada, ao tratamento dado às questões da educação pública de caráter, cada vez mais, administrativo-burocrático, chegando à experiência cotidiana numa Universidade marcada por desigualdades, burocracia, estruturas hierárquicas. Insatisfação que é tanto mais gritante quando se chega a esta universidade povoado de ideais e utopias. E não é apenas coincidência que um grande número de alunos recém-chegados, os chamados calouros, tenha participado do movimento na USP desde seu início.

      Que mundo comum temos construído na Universidade de São Paulo? Que universidade é esta que reproduz em seu interior as desigualdades da economia de mercado e no qual estudantes de Terapia Ocupacional – apesar da luta incansável de funcionários, professores e estudantes – assistem aulas, há 18 anos, em um Bloco provisório cercado por buracos, lixo, mato crescendo, goteiras no teto, enquanto estudantes de Administração, no prédio ao lado, ou de Medicina, da mesma Unidade, circulam em piso de mármore. É uma universidade que como toda instituição social realiza e exprime a sociedade da qual faz parte. Como diz Marilena Chauí, nossa universidade é parte constitutiva do tecido social oligárquico e autoritário que marca a sociedade brasileira.

      Num solo assim delineado os estudantes procuraram abrir um diálogo com a reitora e não tendo sido recebidos acabaram por invadir o prédio da reitoria da USP. Invadiram, ocuparam, ensaiaram a construção de uma outra sociabilidade, de outras formas de organização, e descobriram ali uma potência que não conheciam, experimentando, talvez pela primeira vez, participar politicamente do mundo, construir um mundo comum.  Existe? É possível? Embriagaram-se. E não é para se embriagar? Num mundo em que a esfera publica é ocupada pela exibição pública de experiências privadas,  experimentar a convivência e a existência em um mundo comum, em um espaço publico, não é pouca coisa.

      Eles criaram um verdadeiro acontecimento político na Universidade de São Paulo. Acontecimento que, para Deleuze, não se explica pelos estados de coisa que o suscita, mas também não se esgota naquilo em que torna a cair. Eles se elevaram por um instante, produziram novas maneiras de sentir, de se encontrar; experimentaram novas formas de agir. É este momento que precisamos agarrar.

      Para além de uma visível vitória expressa na publicação do decreto declaratório no. 1,  o grande ganho de todo este movimento – ao qual os professores e funcionários da USP também se juntaram numa experiência democrática de pensamento, posições divergentes e votações disputadas – parece ser a colocação em questão da própria estrutura de poder da universidade. Abriu-se a possibilidade de se inventar uma nova democracia no interior da USP, de questionar feudos e espaços encastelados de poder, de discutir de forma aberta e coletiva à democratização do acesso e as diferentes experiências de ações afirmativas que têm sido criadas em outras universidades públicas em nosso país. E é preciso estar atento. Se a universidade revela a sociedade de que é parte, os movimentos em seu interior podem indicar novas composições das forças em jogo no panorama atual.

      Assim, se a ocupação na USP levou-nos a esta vitória de grandes dimensões, agora um novo desafio se impõe: aquele de construir efetuações para o campo de possíveis que foi enunciado com este acontecimento. A criação de dispositivos e de formas de organização que possam encarnar este possível que começamos a vislumbrar, e que tragam para seu interior possibilidades de experimentação e de criação.

      Se a ocupação na USP tivesse se perpetuado indefinidamente, correria o risco de enterrar ali mesmo o possível que ela mesma instaurou. No mundo em que vivemos e no qual impera o “pensamento único”, qualquer experiência de invenção é facilmente cooptada por linhas de fascismo através das quais novos “pensamentos únicos” passam a se impor e ganhar terreno. Neste sentido, qualquer resistência ao estado de coisas atual tem que necessariamente passar pela afirmação da possibilidade de ser e pensar diferentemente. Qualquer posição que se quisesse única e que buscasse dominar e se perpetuar no interior do movimento que surgiu na reitoria estaria dando lugar a linhas de fascismo que nos atravessam a todos. No alerta que nos fizeram Deleuze e Guatarri, trata-se, sobretudo, de lutar contra o fascista que se aloja em cada um de nós.

      Levemos a sério a palavra de ordem pichadas nos tapumes da reitoria ocupada: ocupemos a reitoria que existe em nós. Cada um de nós tem uma reitoria, um palácio do governo, regiões de concentração de poder muitas vezes enrijecidas. É preciso ocupar essas regiões, investi-las, torná-las nítidas para nós mesmos. Mas também é preciso que experimentemos formas e momentos de esvaziá-las, desocupá-las. Desocupar abrindo espaços vazios para que a novidade que o acontecimento anunciou possa encontrar formas de expressão e de organização das forças em jogo. Para abrir-se aos possíveis que começam a se expressar é preciso acolher o acontecimento e o plano das perguntas que ele instaura.

      

 

      Pensar a dimensão micro-política desta ocupação implica reinventar a idéia de ocupação, podendo vislumbrar uma ocupação não somente de extensões espaço-temporais, mas uma ocupação no e do intensivo. Não se trata somente de controlar o tempo ou de dominar espaços, mas de ocupar um espaço-tempo que compreenda o próprio processo, imprevisível e aberto, de criação das novas formas que se esboçam, para que estas possam surgir em conexão com a potência que as engendra. Ocupar o intensivo do acontecimento, podendo vivê-lo no instante em que se dá. Nas palavras de Deleuze:

  •  

      “Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos completamente o mundo, nos desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos. É ao nível de cada tentativa que se avaliam a capacidade de resistência ou a submissão a um controle. Necessita-se ao mesmo tempo de criação e povo.”

Pós-escrito:

      A mídia tem tratado o movimento da USP, em particular a ocupação na reitoria, com lentes muito velhas. Isto acaba servindo para enclausurar o acontecimento em categorias pré-concebidas impedindo que enxerguemos a novidade que ali se instaurou. Em matéria da Folha de São Paulo de 13/06/2007, informa-se que os estudantes da USP aprovaram no dia anterior um indicativo de desocupação do prédio da reitoria, ao que é acrescentado: “esse é o primeiro recuo desde o início do movimento”. Ora, pensar, pesquisar, imaginar outras formas de luta e os desenvolvimentos que o envolvimento na ocupação da reitoria exigiu, não é “recuar”, muito pelo contrário, é avançar na afirmação da potência de invenção de todos e de cada um.

Instaurando uma Conversa

Naiada D. Barbosa

Estudante de Pós-Graduação

      Da mesma forma que a greve é um movimento de construção coletiva, lento, gradual e que ganha forma com o tempo e nas relações, acredito que a construção de novas formas de prosseguimento desta mobilização também precisa ser construída e leva certo tempo para que aquilo que a ocupação e a greve abriram :abertura para escuta, dialogo, reflexões, embates e negociações; possam seguir em frente, ganhar um novo corpo e quem sabe, também num processo intenso e árduo, possamos transformar um pouquinho a realidade fria, hierárquica e rígida que é a universidade hoje e suas relações de poder.

      O movimento da ocupação foi revelador de como a estrutura 
universitária se constitui de forma fragmentada e áspera, e sua estrutura 
física e suas formas de relação com a produção de conhecimento não permitem, 
não possibilitam o espaço comum, público, onde os encontros, as trocas (de 
afetos, de experiências) e a convivência possam acontecer para que, de fato, 
este conhecimento se dê pelo encontro, no âmbito do humano, traduzindo um 
conhecimento encarnado que só assim poderá ser de utilidade pública e servir 
aos homens.

      Estamos num exercício intenso de conviver, de aprender a escutar, numa tensão entre as linhas de forças divergentes, opostas muitas vezes, que vão 
aparecendo e que precisam achar formas de co-existir e transformarem-se a 
medida que se afetam! Ufa!, cansativo… mas me parece que nos deixa mais vivos!

      

 

Continuando a Conversa

Bruna Taño

Estudante de Terapia Ocupacional 

      Agora  finalizada a ocupação  fica possível iniciar um processo de pensar e  colocar em  linhas o  que  tudo  isso  trouxe. Novas  formas de  ver  a  política e  a vida em  comunidade, as relações de modos menos  hierarquizados, menos  frios, menos endurecidos e mais humanos, mais verdadeiros, mais acalorados, mais inconstantes, mais  confusos, aquilo que podemos chamar de mais nossos. Mudanças essas, que  se  ainda  não se colocaram  como  mudanças  efetivas concretas, foram novas formas  de  viver experimentadas. Novas  formas  barulhentas, cansativas, turbulentas e  estabanadas, mas vivificadas, que  atravessaram a  nossa  rotina, nosso  cotidiano, mobilizaram  corpos e nos permitiram ver também o quanto estamos / ficamos enfraquecidos, febris, infectados, seja  por  vírus medicamente  conhecidos, como por vírus que adoecem nosso desejo e nossa vontade.

      Aprendemos  com  nossos  pais, que  uma  vida  boa e  de  sucesso  seria  aquela  dedicada a trabalhos sérios, garantidos, em empresas, multinacionais, e companhias que  nos  trouxessem garantias de crescimento profissional econômico e  quiçá pessoal. Entretanto, nem  eles  nem  aqueles que  nos cercam  puderam prever a  rapidez  com  que  todas  essas possibilidades se esgotariam de modo  tão  brutal. Não há vagas, não há emprego, não há condições de vida. Nesse contexto, não queríamos negociar apenas objetividades e ganhos materiais, no que não fomos muitas vezes compreendidos. Estaríamos diante de um  novo  woodstock? Um  novo  maio  de  68?

      Ouso  dizer que não. Apenas não sabíamos mais como pensar em  democracia quando todas as estruturas e instituições ao nosso redor foram infectadas com a mais sórdida e ineficaz relação de poder e de mais valia. Resistimos  não por rebeldia ou por vontade de baderna, mas sim para pensarmos  e construirmos, juntos, jovens, não  jovens, professores e trabalhadores, novas  formas de agir, transformar e estar o mundo. Novas  formas de faze-lo e não  somente de tê-lo. Paramos, entramos, rompemos os portões, as grades e as salas  como grito de vontade de estarmos  pensando e  agindo no  mundo de forma  mais  consciente, mais  humana e mais  efetiva para  que  homens, mulheres, estudantes, trabalhadores, negros, negras, trabalhadoras, homossexuais, heterossexuais , indígenas, e  todos  os  outros  grupos inseridos em nossa sociedade, pudessem ser ouvidos.

      Certamente para aqueles que lá  estiveram e viveram a ocupação, a conquista de novas formas de subjetivação, de percepção do  espaço puderem acontecer. A intensidade desta ocupação  se dá na afirmação de que as formas de existência vigentes e hegemônicas não  precisam ser e  não são as únicas, há outras formas de viver, de  sentir, de  pensar, de se relacionar, e  principalmente de sonhar e criar presentes em  nossos destinos. 

      

 

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Desocupar para Ocupar. Com a saída do prédio da reitoria, os estudantes dão continuidade às suas atividades. Afinal, há muito trabalho pela frente. Precisamos de 51 dias de Ocupação para que fôssemos ouvidos e entrássemos nessa nova etapa. O que virá agora?

 

O combate à criminalização do movimento é latente e, além disso, temos que acompanhar o cumprimento do acordo feito com a reitora, garantir a funcionalidade e eficácia da comissão proposta para discutir os demais pontos reivindicados durante a Ocupação (ainda não atendidos) e trabalhar na construção do 5º Congresso da USP com a pauta Estatuinte. E tudo isso é só o começo.

 

Visando colaborar nesse processo, estudantes que participaram do movimento de Ocupação dão continuidade às atualizações deste blog, para mantê-lo como referência e canal de diálogo, tanto entre os próprios estudantes como com os demais membros da comunidade uspiana e com a sociedade.

 

Para isso, contam com a ajuda de todos os que compartilham de nossa causa. Enviem textos, comentários, imagens, etc, para o ocupacao.usp@gmail.com e façam com que este espaço virtual represente a mais ampla participação e opinião.

 

Como já dito, tudo isso é só o começo.

                                         Comecem lendo o texto abaixo publicado.

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Querem nos criminalizar…

 

A reitoria da Universidade de São Paulo descumpriu seu compromisso quanto à comissão paritária que havia sido acordada para a realização da vistoria do prédio após a desocupação. A comissão era importante para que houvesse transparência no processo de apuração dos danos, e seria formada por 2 representantes dos estudantes, 2 dos funcionários e 2 da reitoria, além de algum professor escolhido pelo movimento. Entretanto, antes que a esta comissão realizasse  a primeira vistoria do prédio, a reitoria autorizou que o instituto de criminalística realizasse a vistoria dois dias antes. Surgiram então mentiras de que havíamos largado o prédio completamente depredado, com absurdas cenas montadas, como a do computador jogado no chão do banheiro.

Estas são algumas fotos dos momentos finais antes da desocupação. Em duas delas aparecem dois representantes da reitoria que acompanharam o processo final de desocupação, para garantir que todos haviam deixado o prédio.

Reitoria sendo limpa e reorganizada pelos alunos
Reitoria sendo limpa e reorganizada pelos estudantes

Reitoria sendo limpa e reorganizada pelos alunos
Reitoria sendo limpa e reorganizada pelos estudantes

Reitoria sendo limpa e reorganizada pelos alunos
Reitoria sendo limpa e reorganizada pelos estudantes

Reitoria sendo limpa e reorganizada pelos alunos
Reitoria sendo limpa e reorganizada pelos estudantes

Reitoria sendo limpa e reorganizada pelos alunos
Reitoria sendo limpa e reorganizada pelos estudantes

Reitoria sendo limpa e reorganizada pelos alunos
Reitoria sendo limpa e reorganizada pelos estudantes

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Autonomia Universitária

Trechos da palestra organizada pelo centro acadêmico de Filosofia da Usp, no dia 05/02/2007, com a professora Marilena Chauí.

" (…) Autônomo é aquele que é capaz de dar a si próprio as normas, as leis, e as regras da sua ação, ou seja, um autônomo é aquele que ao agir, e ao pensar, não obedece às prescrições vindas do exterior e que se abatem sobre ele, numa relação de comando e obediência. O autônomo é aquele que é livre. E ele é livre porque estabelece as regras, as normas da sua conduta, isto é, do seu pensamento e da sua ação. Autonomia é, portanto, uma disposição que é própria de duas esferas da vida humana: a ética e a política. Na ética, você não tem um sujeito ético se ele não for autônomo, isto é, se ele não for capaz de por si mesmo deliberar a respeito da suas normas de ação e de pensamento. E na política, autonomia é o que define a democracia. (…)
No caso da Universidade, (….) a idéia da autonomia está vinculada a um longo percurso que começa no século XVI e atravessa todo o século XVII e o XVIII, que é ligada a idéia de liberdade de pensamento e de expressão. Essa idéia começa no campo religioso, com a luta dos reformadores protestantes pela liberdade dos cristãos, contra o catolicismo romano, e depois prossegue como o direito de liberdade de consciência, como liberdade de opinião (contra a censura, contra a inquisição,etc), e prossegue até a chegada na ilustração francesa, quando os filósofos da ilustração francesa, (…) , afirmam a necessidade da autonomia do saber, porque as universidades existentes estavam sob o poder da igreja e sob o poder do Estado. É só com a revolução francesa, quando desmorona o poderio eclesiástico e o poderio monárquico, que a idéia de liberdade de pensamento e de expressão, liberdade de ciência, liberdade de filosofia, liberdade no sentido de autonomia da investigação, penetra no campo das universidades. Isso significa o seguinte: autonomia nasce primeiro como reivindicação das artes e do saber contra o poderio da instituição eclesiástica, e prossegue, depois, contra o poderio do Estado monárquico , e de formas tirânicas da política. (…) o fato das universidades dependerem do Estado, não as levou nunca a se considerarem como instituições estatais.
Elas são instituições públicas, e não estatais.
Isso significa o seguinte: uma instituição estatal tem que obedecer a cada uma das ordens do governante, não é nem do estado como um tal, mas do governante. Uma instituição pública é aquela que possui o seu estatuto, (…), de tal maneira que ela é financiada, sustentada, pelo dinheiro público, pelos impostos, pelas taxas, para assegurar , na forma gratuita do ensino e da pesquisa, um direito social, que é um direito cultural.
Bom, então autonomia, significa a vida das universidades. A vida da pesquisa, a vida da ciência, ou seja, a possibilidade de realizar um conhecimento ,e um conjunto de atividades, cuja finalidade, cuja necessidade, cuja utilidade é definida pela própria universidade. Ela só é autônoma se ela puder ela definir não apenas as condições de sua gestão administrativa e financeira, mas definir o conteúdo e a forma do ensino, o conteúdo e a forma da pesquisa, ela por ela mesma.
Nas universidades federais
, até a obtenção de um mínimo de autonomia, os reitores eram escolhidos pelos militares. Para comprar um clipe, ou uma fita adesiva, passava por todos os ministérios, e quando o clipe ou adesivo chegava, já não precisava mais; (…) as universidades não conseguiam se organizar, nem do ponto de vista administrativo e financeiro, nem do ponto de vista da sua existência acadêmica. Então, por isso elas tiveram uma luta insana pela autonomia, e sempre tiveram como referência à autonomia da USP. Eu sei que essa universidade é um elefante branco, conservadora, reacionária, a menos democrática de todas as universidades, não tem eleição direta para reitor(…) No entanto, do ponto de vista da relação que a Usp mantinha com o estado, ela sempre apareceu, sobre tudo aos olhos das federais , como um exemplo da autonomia, pela qual se lutou. Não foi que a Usp graças aos seus belos olhos, a sua história, a sua importância tinha essa autonomia, isso foi uma luta suada e pesada.
(…)
a privatização não é apenas a proliferação desordenada e descabelada das instituições privadas do ensino superior, mas é a maneira pela qual elas se tornam instituições do ensino superior.
(…)
Como é que funciona uma instituição privada de ensino?(…) tem estatuto, tem regimento, tem colegiado, tem congregação, tem coordenadores, tem representantes de alunos, tem tudo. Ai você vai lá e não tem, não existe, é mentira. Existe o dono, com um pequeno conjunto de subordinados, que administram isso de que ele é dono, e uma massa de professores horistas, que podem ser demitidos ou não a qualquer momento.
(…)
Eu expliquei o que são as fundações na Usp, o abismo e o buraco negro que elas são, a corrupção que está presente, a determinação da atividade da Usp pelas empresas, e o que era a FIP, de que jeito que é a FEA, que é um supermercado.
(…)
A privatização é de um lado o corte de verbas relativo as universidades públicas ,e a idéia de que elas são modernas, progressistas, e realizam uma extensão útil a sociedade através da parceria com as empresas, que são as fundações. O que nós temos que ter em mira, é que esses decretos, e mais outros que estão ai, mais a posição do Pinnoti (que é membro do conselho da FMU), é o início de um percurso em que o Estado de São Paulo vai reproduzir o que o Paulo Renato fez no país.
Essa autonomia significa colocar uma barreira, do ponto de vista dos direitos, do ponto de vista da qualidade, e do ponto de vista do serviço a sociedade brasileira, colocar uma barreira a essa corrupção, a essa privatização, a essa indecência que aconteceu nesse país durante quase dez anos. É disso que se trata gente. Nós não estamos só querendo que toda essa trapaça burocrática não nos atrapalhe. Nós não estamos só querendo que toda essa fragmentação e esse autoritarismo dos decretos não nos prejudique. A nossa ação, é não só a ação de denúncia e de oposição às ações já realizadas, mas de crítica ao que essas ações indicam, porque o que elas indicam é esse desastre, essa demolição, essa destruição da universidade pública. Então é uma batalha pra valer, longa, dura, complicada, mas ou agente faz isso, ou agente perde as universidades públicas de São Paulo. "

Marilena Chauí

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“NÃO REPRESSÃO, SIM NEGOCIAÇÃO!”

Contra as punições, pela abertura de negociações, contra a repressão e a tropa de choque/polícia nos Campi!

Contra os Decretos e a Reforma Universitária!

      Após a ocupação da reitoria da USP e todo o levante nacional que presenciamos, o Movimento Estudantil, mais forte e atuante, reafirma seu papel de agente social em busca de uma educação de qualidade e para todos. Agora para podermos continuar construindo nossas lutas precisamos garantir que não haja perseguição política aos militantes, fato que tem sido realizado com o apoio do aparato policial, expediente não democrático para negociações.

      A criminalização do Movimento Estudantil, um movimento que luta pelo ensino público e para que esse seja de qualidade e para o povo oprimido, é inaceitável! Se hoje ainda temos certa qualidade nas Universidades públicas, se temos a tão falada autonomia etc., é porque houve luta no passado. Houveram greves e ocupações por toda a história, os direitos trabalhistas (apesar de ainda poucos e seriamente ameaçados) foram conquistados a partir de mobilizações, nas quais a greve foi e continua sendo um importante mecanismo.

      As ocupações deste início de ano apenas reforçam o caráter combativo do nosso movimento e as inúmeras assembléias, sempre quebrando recordes históricos na quantidade de participantes, reforçam a legitimidade dessa luta por mais democracia. As estruturas de poder dentro das universidades remontam à ditadura militar e fatos como o ocorrido em Araraquara exemplificam isso.

De maneira absurda um exagerado número de policiais treinados e equipados para situações extremas invadiu o campus da Unesp de Araraquara e prendeu estudantes que defendiam um direito do povo.

     O movimento se propõe à negociação. Os estudantes se dispõem ao dialogo com aqueles que se apresentam com armas nas mãos e desqualificam a luta democrática. É fundamental que não nos intimidemos pelas ações das autoridades para que a nossa mobilização pela real autonomia se construa por meio da liberdade de expressão.

     Hoje deve ser um dia em defesa da liberdade. Não da liberdade para consumir, mas da liberdade para defendermos a educação pública, que já é um direito!! A repressão policial e a intransigência em negociar, insistindo em punir participantes do Movimento Estudantil de maneiras incoerentes com a proposta de discussão que caracteriza o ambiente universitário, são inaceitáveis!
 

Os estudantes do estado todo estão unidos: aqui presentes unesp, unicamp e usp!   todo apoio aos estudantes de araraquara!  

Nas praças, nas ruas, quem disse que sumiu? Aqui está presente o Movimento Estudantil!

 *Panfleto do Ato de Hoje 28 de junho,  em Araraquara.

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CARTA AO GOVERNO DO ESTADO, AOS REITORES DAS UNIVERSIDADES ESTADUAIS PAULISTAS E AOS DIRETORES DE CAMPUS DA UNESP

Saudações grevistas,
Comissão de Comunicação do Comando Estadual de Greve

O Comitê Estadual de Greve das Universidades Estaduais Paulistas,
representando 15 unidades em greve e cinco ocupações em vários Campi
de diversas cidades paulistas, vem por meio desta comunicar:

1.      Consideramos inconstitucional a criação da Secretaria de Ensino
Superior, uma vez que uma Secretaria de Estado só pode ser criada
através de lei aprovada pela Assembléia Legislativa, como prevê a
Constituição Estadual, e não por decreto. Da mesma forma consideramos
inconstitucional a separação entre ensino, pesquisa e extensão,
realizada pelo decreto n. 51. 460, que separa as Universidades
Estaduais da Fapesp e CEETEPS.
Sendo assim, continuaremos na luta pelo que entendemos ser legítimo
fazendo atos por todo o Estado.

2.      Não aceitaremos qualquer punição a alunos, funcionários e
professores das Universidades Estaduais por motivos políticos de greve
e seus métodos – inclusive piquetes, barricadas e ocupações. Também
não aceitaremos de forma alguma a presença e permanência da Polícia
Militar nos Campi, sob pena de novas ocupações e reocupações.
Entendemos que o direito de greve é legítimo e que a presença da
polícia nas Universidades significa uma clara ameaça à autonomia
universitária e retoma uma prática dos tempos da Ditadura Militar.

Campinas, 23 de junho de 2007.
COMITÊ ESTADUAL DE GREVE DAS UNIVERSIDADES ESTADUAIS PAULISTAS

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