Autonomia Universitária

Trechos da palestra organizada pelo centro acadêmico de Filosofia da Usp, no dia 05/02/2007, com a professora Marilena Chauí.

" (…) Autônomo é aquele que é capaz de dar a si próprio as normas, as leis, e as regras da sua ação, ou seja, um autônomo é aquele que ao agir, e ao pensar, não obedece às prescrições vindas do exterior e que se abatem sobre ele, numa relação de comando e obediência. O autônomo é aquele que é livre. E ele é livre porque estabelece as regras, as normas da sua conduta, isto é, do seu pensamento e da sua ação. Autonomia é, portanto, uma disposição que é própria de duas esferas da vida humana: a ética e a política. Na ética, você não tem um sujeito ético se ele não for autônomo, isto é, se ele não for capaz de por si mesmo deliberar a respeito da suas normas de ação e de pensamento. E na política, autonomia é o que define a democracia. (…)
No caso da Universidade, (….) a idéia da autonomia está vinculada a um longo percurso que começa no século XVI e atravessa todo o século XVII e o XVIII, que é ligada a idéia de liberdade de pensamento e de expressão. Essa idéia começa no campo religioso, com a luta dos reformadores protestantes pela liberdade dos cristãos, contra o catolicismo romano, e depois prossegue como o direito de liberdade de consciência, como liberdade de opinião (contra a censura, contra a inquisição,etc), e prossegue até a chegada na ilustração francesa, quando os filósofos da ilustração francesa, (…) , afirmam a necessidade da autonomia do saber, porque as universidades existentes estavam sob o poder da igreja e sob o poder do Estado. É só com a revolução francesa, quando desmorona o poderio eclesiástico e o poderio monárquico, que a idéia de liberdade de pensamento e de expressão, liberdade de ciência, liberdade de filosofia, liberdade no sentido de autonomia da investigação, penetra no campo das universidades. Isso significa o seguinte: autonomia nasce primeiro como reivindicação das artes e do saber contra o poderio da instituição eclesiástica, e prossegue, depois, contra o poderio do Estado monárquico , e de formas tirânicas da política. (…) o fato das universidades dependerem do Estado, não as levou nunca a se considerarem como instituições estatais.
Elas são instituições públicas, e não estatais.
Isso significa o seguinte: uma instituição estatal tem que obedecer a cada uma das ordens do governante, não é nem do estado como um tal, mas do governante. Uma instituição pública é aquela que possui o seu estatuto, (…), de tal maneira que ela é financiada, sustentada, pelo dinheiro público, pelos impostos, pelas taxas, para assegurar , na forma gratuita do ensino e da pesquisa, um direito social, que é um direito cultural.
Bom, então autonomia, significa a vida das universidades. A vida da pesquisa, a vida da ciência, ou seja, a possibilidade de realizar um conhecimento ,e um conjunto de atividades, cuja finalidade, cuja necessidade, cuja utilidade é definida pela própria universidade. Ela só é autônoma se ela puder ela definir não apenas as condições de sua gestão administrativa e financeira, mas definir o conteúdo e a forma do ensino, o conteúdo e a forma da pesquisa, ela por ela mesma.
Nas universidades federais
, até a obtenção de um mínimo de autonomia, os reitores eram escolhidos pelos militares. Para comprar um clipe, ou uma fita adesiva, passava por todos os ministérios, e quando o clipe ou adesivo chegava, já não precisava mais; (…) as universidades não conseguiam se organizar, nem do ponto de vista administrativo e financeiro, nem do ponto de vista da sua existência acadêmica. Então, por isso elas tiveram uma luta insana pela autonomia, e sempre tiveram como referência à autonomia da USP. Eu sei que essa universidade é um elefante branco, conservadora, reacionária, a menos democrática de todas as universidades, não tem eleição direta para reitor(…) No entanto, do ponto de vista da relação que a Usp mantinha com o estado, ela sempre apareceu, sobre tudo aos olhos das federais , como um exemplo da autonomia, pela qual se lutou. Não foi que a Usp graças aos seus belos olhos, a sua história, a sua importância tinha essa autonomia, isso foi uma luta suada e pesada.
(…)
a privatização não é apenas a proliferação desordenada e descabelada das instituições privadas do ensino superior, mas é a maneira pela qual elas se tornam instituições do ensino superior.
(…)
Como é que funciona uma instituição privada de ensino?(…) tem estatuto, tem regimento, tem colegiado, tem congregação, tem coordenadores, tem representantes de alunos, tem tudo. Ai você vai lá e não tem, não existe, é mentira. Existe o dono, com um pequeno conjunto de subordinados, que administram isso de que ele é dono, e uma massa de professores horistas, que podem ser demitidos ou não a qualquer momento.
(…)
Eu expliquei o que são as fundações na Usp, o abismo e o buraco negro que elas são, a corrupção que está presente, a determinação da atividade da Usp pelas empresas, e o que era a FIP, de que jeito que é a FEA, que é um supermercado.
(…)
A privatização é de um lado o corte de verbas relativo as universidades públicas ,e a idéia de que elas são modernas, progressistas, e realizam uma extensão útil a sociedade através da parceria com as empresas, que são as fundações. O que nós temos que ter em mira, é que esses decretos, e mais outros que estão ai, mais a posição do Pinnoti (que é membro do conselho da FMU), é o início de um percurso em que o Estado de São Paulo vai reproduzir o que o Paulo Renato fez no país.
Essa autonomia significa colocar uma barreira, do ponto de vista dos direitos, do ponto de vista da qualidade, e do ponto de vista do serviço a sociedade brasileira, colocar uma barreira a essa corrupção, a essa privatização, a essa indecência que aconteceu nesse país durante quase dez anos. É disso que se trata gente. Nós não estamos só querendo que toda essa trapaça burocrática não nos atrapalhe. Nós não estamos só querendo que toda essa fragmentação e esse autoritarismo dos decretos não nos prejudique. A nossa ação, é não só a ação de denúncia e de oposição às ações já realizadas, mas de crítica ao que essas ações indicam, porque o que elas indicam é esse desastre, essa demolição, essa destruição da universidade pública. Então é uma batalha pra valer, longa, dura, complicada, mas ou agente faz isso, ou agente perde as universidades públicas de São Paulo. "

Marilena Chauí

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