Isso tem um impacto sobre o momento político atual? Sim. As discussões que surgiram após a implementação do Decreto Declaratório explicitam o limite da luta pela autonomia universitária. Certamente, o movimento articulado nas três universidades públicas estaduais conseguiu, ao contrário do que muitos pensam, uma vitória muito importante sobre o governo estadual, o que permitiu livrar as universidades paulistas de uma série de ataques à autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, presentes nos textos anteriores dos decretos. Mas, sejamos claros: esta vitória obtida foi apenas parcial.
Como podemos notar nas aparições midiáticas do governador Serra e de seus aliados, não há qualquer menção à derrota política que o governo sofreu da comunidade acadêmica. Tais personagens de nossa fatídica política brasileira preferem sustentar que o novo decreto apenas explica aos boçais a “interpretação autêntica” (sic) que os decretos anteriores deveriam ter.
Entre aqueles que sustentam a idéia de vitória do movimento pela revogação dos decretos, há aqueles mais apegados a uma ideologia corporativista que tomam o novo decreto como o resultado da “vitória possível” – ou da “derrota possível”, devendo, portanto, a comunidade acadêmica se calar diante das pendências existentes ainda nos decretos que afetam não só o princípio constitucional da autonomia universitária, mas, sobretudo, o funcionalismo e os serviços públicos básicos do Estado de São Paulo. Há outro grupo que entende que é necessário avançar ainda mais a luta contra a política do atual governo, com o objetivo de alcançar novas conquistas, o que significa aplastar o autoritarismo de uma gestão que: governa através de decretos, centraliza e concentra poderes no executivo e esvazia o poder de decisão do legislativo estadual; e atacar a política privatista vigente que sucateia os serviços públicos, precariza o trabalho do funcionalismo público e amplia os espaços de participação do grande capital sobre as entidades geridas pelo Estado. É a partir do posicionamento desse último grupo que procuraremos discutir o momento atual.
Quando falamos em pendências presentes nos decretos que ainda ferem a autonomia universitária nos referimos aos seguintes pontos:
1) Na atual configuração, as CEETEPS e a FAPESP continuam, mesmo com o novo decreto, a pertencer à Secretaria de Desenvolvimento; USP, Unicamp e Unesp permanecem vinculada à Secretaria de Ensino Superior; e dois hospitais universitários vinculados à USP encontram-se ligados à Secretaria de Saúde. Essa composição poderá levar a Fapesp a priorizar e incentivar ainda mais as pesquisas em empresas em detrimento da pesquisa básica, o que levará essa entidade de amparo à pesquisa científica a assumir funções próprias de órgãos de fomento ao desenvolvimento, tais como o BNDES ou o FINEP. Diga-se de passagem, a composição do Conselho Superior da Fapesp que possui ilustres personagens como o ex-presidente da FIESP Horácio Lafer Piva, o ex-consultor do Banco Mundial Yoshiaki Nakano, o conselheiro da FIESP Hermann Wever explicita bem essa tendência da pesquisa empresarial.
Os hospitais universitários podem ser ainda mais afetados pela política de terceirização e de precarização das relações de trabalho, uma vez que, ao contrário do que o discurso da eficiência administrativa afirma, nada garante que a separação das universidades estaduais conferirá a um ou a outro maior repasse de verbas. O quadro que se anuncia e que já vem sendo posto em prática é o da parceria com entidades do grande capital que, como sabemos, tem diminuta preocupação com o bem público e grande interesse em ampliar seus rendimentos privados a qualquer custo. Quantos são os médicos que realizam consultas dentro da estrutura hospitalar pública, utilizando o dispositivo dos convênios privados de assistência médica?
Da forma como permanecem os decretos, o governo estadual parece dar prosseguimento à falta de consideração pelos princípios de autonomia didático-científica e de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, previstos no artigo 207 da Constituição Federal.
2) O novo decreto conserva a redação do artigo 2º., inciso I, do decreto 51.461 que estabelece o campo funcional da Secretaria de Ensino Superior: “a proposição de políticas e diretrizes para o ensino superior, em todos os seus níveis”. Nesse aspecto, fica claro que o Secretário de Ensino Superior assumirá funções que são próprias das três universidades estaduais, o que significa que a autonomia universitária deixa de existir no papel. Além disso, é preciso salientar que o atrelamento do CRUESP à Secretaria de Ensino Superior e a mudança de sua composição interna que fortalece a presença de secretários de Estado entre os seus membros, torna essa instância de deliberação de políticas para o ensino superior, uma instância que prestará assessoria ao governo estadual como consta no artigo 43, inciso IV, do decreto 51.461 que apresenta como um dos objetivos do CRUESP: “assessorar o Governador em assuntos de ensino superior”.
Outros aspectos pendentes nos decretos do governo Serra, considerando tanto o que eles dizem como o que eles não alteram dos governos anteriores, afetam pontos específicos da Constituição Estadual, assim como contribuem para precarizar ainda mais os serviços públicos:
3) Como prevê o artigo 19, inciso VI, da Constituição Estadual, cabe à Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador de Estado, a aprovação, sob a forma da lei e não de decreto, a criação e extinção de Secretarias. Isso significa que o Decreto Declaratório deixa intocada a inconstitucionalidade da criação da Secretaria de Ensino Superior. Seria ingênuo pensar que a mudança de denominação da antiga Secretaria de Turismo para Secretaria de Ensino Superior não fere esse artigo da Constituição Estadual, uma vez que as novas atribuições, o campo funcional e os órgãos, que estão vinculados à nova Secretaria, não têm quase ou nenhuma relação com a composição da estrutura precedente, a começar pelas três universidades públicas estaduais que antes eram ligadas à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico.
4) O que fazer com o decreto aprovado pelo ex-governador Cláudio Lembo (vice de Alckmin), em 31 de dezembro de 2006, que impediu a ampliação do repasse de ICMS, aprovada pela Assembléia Legislativa, de 9,57% para 10,43% destinados às Universidades Públicas Estaduais? O governo Serra nada nos diz sobre isso com o Decreto Declaratório, pois parece não ter a intenção de qualificar a infra-estrutura dessas universidades e muito menos de possibilitar qualquer planejamento de democratização do acesso da população a essas universidades.
5) Embora o novo decreto tenha estabelecido que as disposições do decreto 51.471 não se aplicam às Universidades Públicas Estaduais e à Fapesp, cabe indagar o que ocorrerá com o restante do funcionalismo e dos serviços públicos estaduais, se ficar mantida a proibição de “admissão ou contratação de pessoal no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta, incluindo as autarquias, inclusive as de regime especial, as fundações instituídas ou mantidas pelo Estado e as sociedades de economia mista”? Não há dúvidas que o novo decreto, apesar de trazer importantes conquistas para as universidades públicas estaduais, também serviu para amenizar as vozes dissonantes que atacavam o governo e dividir o funcionalismo público estadual. Como bem sabemos, a proibição de contratação e admissão de pessoal acarretará numa precarização ainda mais violenta do trabalho do funcionalismo público e num sucateamento ainda mais brutal dos serviços públicos básicos de atendimento à população. Só para dar algum exemplo, poderíamos nos perguntar: o que ocorrerão com o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e de São Paulo da USP, com a Fundação Pró-Sangue-Hemocentro de São Paulo; com a Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), com as CEETPS, com a Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo; com a Fundação Parque Zoológico de São Paulo; com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do estado de São Paulo (CDHU) entre outras tantas entidades, se elas deixarem de contratar e admitir funcionários por concurso público? Recorrerão ao método da terceirização? Ao que parece, o governo estadual quer fomentar e ampliar o trabalho precarizado nos órgãos públicos estaduais e permitir ainda mais o avanço da lógica privatista sobre a administração pública, sucateando alguns serviços essenciais ao interesse público e às populações de baixa renda.
Pelas questões e argumentos expostos aqui, esperamos convencer nossos interlocutores de dentro e fora da universidade de que não é hora de cruzar os braços. Ressaltamos também que o que apresentamos acima é apenas a ponta do iceberg que teremos que derrubar. Neste sentido, parece convergir a entrada cada vez mais maciça de estudantes de todas as áreas das Universidades Estaduais Paulistas e Federais na luta pela defesa da res pública.
Pela revogação integral dos decretos!!!
Em defesa do funcionalismo e dos serviços públicos!!!
Abaixo à caminhada do tucanato pela desocupação da reitoria da USP!!!
Campinas, 6 de junho de 2007
Andriei Gutierrez
Cristiano Ramalho
Danilo Enrico Martuscelli
Leandro de Oliveira Galastri
(Alunos da Unicamp)
Gostaria de me somar aos estudantes da Unicamp que assinaram esse texto e reiniciar (pois me parece que anda meio esquecida) a discussão do ponto que trouxe os estudantes à luta nesse movimento de ocupações e greve estaduais.
Assino embaixo esse texto, afirmo que no campus da Unesp de Bauru a discussão tem seguido os mesmos rumos, com os mesmo apontamentos na questão da análise dos decretos, e gostaria de convidar mais estudantes a assinarem esse texto e suscitarem a necessidade da unidade de luta estadual contra aquilo que é o maior ataque, no momento, às universidades estaduais paulistas.
Não nos esqueçamos do principal. Não nos prendamos apenas às questões específicas de cada campus. A luta É UNIFICADA entre USP, Unesp e Unicamp.
Reynaldo Turollo Junior – Unesp Bauru