A PARADA E A PEDAGOGIA DA DIVERSIDADE

     Nesse domingo, novamente teremos, na Av. Paulista, a 11ª Parada do Orgulho GLBTT (a maior do mundo), trazendo, à principal avenida de São Paulo, em um belo domingo, uma diversidade sexual, de gênero, de gostos e de cultura. E sua principal função será, como sempre foi, arrepiar e chocar toda a sociedade. Dado o formato que esse evento tomou, uma pergunta paira na mente de divers@s militantes dos movimentos sociais e, principalmente do movimento estudantil: É uma manifestação ou uma grande festa?

     Acostumados a tomarem as ruas, o Movimento Estudantil, como diversos outros movimentos, tem uma estética de manifestação para mobilizar, atrair e sensibilizar a opinião pública para suas reivindicações. Como se dá essa estética? Milhares de pessoas tomam as ruas, em passeata, com o objetivo de, naquele momento, chamar para si a atenção dos transeuntes, parar o trânsito e causar um impacto visual de modo que a mídia televisiva, principalmente, passe e comente a ação aos seus telespectadores. Além dessa mobilização visual, há também, geralmente, um carro de som, no qual divers@s manifestantes usam o discurso para sensibilização política dos ouvintes, mas, principalmente, para comunicar à sociedade a razão que os levou ali, a razão de sua luta e de todo o processo de mobilização. O discurso feito ao microfone torna-se o instrumento principal para a sensibilização da opinião pública das pautas do movimento e das motivações que os colocam em greve, os fazem manifestar e paralisar durante algum tempo aquele espaço. Acompanhadas dos discursos, seguem as palavras de ordem e as músicas cantadas pel@s manifestantes e toda uma onda de cartazes, bandeiras que apresentam as pautas e a ideologia do movimento.

     As Paradas têm em comum a esses movimentos a mobilização, a tomada das ruas e os discursos políticos no microfone com o mesmo objetivo desses movimentos: chamar a atenção da sociedade para si e sensibilizar a opinião pública para sua reivindicação.

     Contudo, algumas características estéticas são novas: a primeira, é o abuso nas cores que torna um elemento ideológico do movimento GLBTT; a segunda, diversos trios que tocarão variados estilos de músicas desse universo; a terceira, uma forte estética dos corpos marcados pelo humor, pela graça, pela sensualidade e pelo atrevimento e a quarta característica, incide de modo visual um forte erotismo que vai desde beijos até a manifestação mais pornográfica possível (principalmente ao cair da noite). Algumas dessas características são feitas pelo próprio movimento, outras resultam dessas ações. O movimento atua diretamente na conclamação e organização política e logística do ato, também o colorido é feito por ele, no uso de arcos de bexigas em formato de arco-íris, bandeiras quilométricas e as músicas do gueto GLBTT que tocarão o tempo inteiro. Os resultados dessa organização são exatamente a terceira e a quarta característica apontadas anteriormente. Tais resultados dão um tom a mais à Parada, tirando-a da condição de manifestação tradicional e colocando-a como uma manifestação festiva. Pessoas vão à rua para dançar, festejar, beber e comemorar como qualquer outra festa. Como qualquer outra festa? Eis o elemento diferenciador: toda festa pública é marcada fortemente por uma lógica heteronormativa, casais se beijando, andando de mãos dadas, paquerando-se, festejando juntos… esqueci de dizer… casais héteros. Na Parada, há uma inversão dessa norma, homens se beijando, mulheres se beijando, travestis com os peitos de fora, homens musculosos exibindo seus corpos, drag-queens em todo seu glamour pousando pra diversas fotos e filmagens. Enfim, a “escória” da sociedade cristã vindo às ruas e mostrando seu lado mais humano, mais real e mais bonito pra toda a sociedade.

     Há necessidade de nos mantermos naquela pergunta sobre o que é a Parada? Mas alguém pode perguntar: “Cadê os discursos políticos preenchendo a multidão? Cadê as palavras de ordem expressas uníssonas pelos manifestantes?” Devolvo com outra pergunta: no beijo de dois homens totalmente fora dos padrões sociais de mercado, nos amassos carinhosos de duas mulheres fora da estética machista, na beleza e no atrevimento de diversas travestis e transexuais tomando as ruas, no glamour das drag bombando a avenida, precisam ainda de palavra de ordem? E se houvesse, alguém conseguiria prestar a atenção ao mesmo tempo que recebe toda essa onda de informação? Não há nada mais político, pelo impacto e pelo significado, do que essa manifestação da diversidade proporcionada pela Parada. Ela traz o gueto noturno e periférico para a luz do dia, em um domingo, na principal avenida da cidade. Nesse deslocamento, há um rompimento da fragmentação capitalista para o consumo, a medida que essa comunidade toma a Av. Paulista. A Parada consegue ter um discurso próprio tão forte na sua estética, tão revolucionário na sua manifestação que dispensa qualquer discurso verbal. É a quebra dos valores morais dessa sociedade burguesa, é a contradição da contradição acirrada pelo capital contra si mesmo. O caráter revolucionário deve-se ao discurso violento e questionador dos valores da moral burguesa. E nessa prática há um forte exercício pedagógico para a Diversidade.

     Quando um militante de qualquer movimento se encontra rodeado por esse universo desconhecido ou pouco habituado, seus valores morais são postos em xeque. O sentimento de contradição é inevitável ao seu olhar de quando se encontra nesse ambiente. Por mais que digamos ou escrevamos sobre a importância do respeito e direito (diga-se direito à vida) à diversidade, nada causa tanto impacto do que a imagem que fala por si mesma. Para o militante que não tem costume de ver casais de homens ou de mulheres se beijando, a sensação é chocante: um verdadeiro sentimento de nojo. Com isso, seus ideais revolucionários são postos em questionamento, à medida que deve ser essa comunidade que ele deverá aprender a respeitar e a conviver. E no choque, e no questionamento, há a prática pedagógica, educando-o para conviver e respeitar a diversidade humana. É exatamente esse papel pedagógico que torna a Parada uma GRANDE FESTA POLÍTICA pelo direito à sobrevivência de diversas travestis, diversos gays, diversas lésbicas vítimas de uma violência verbal, física e psicológica presente no cotidiano. Podemos até concordar que haja alguns problemas políticos que acabam vindo na onda dos dois milhões e quinhentas mil pessoas na rua. Mas não podemos negar o caráter transformador e educativo que a Parada proporciona a quem participa. Por isso convidamos tod@s estarem presente nesse domingo para festejar o direito a vida e o combate ao Racismo, Machismo e Homofobia! 

     Dário Neto

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6 Responses to A PARADA E A PEDAGOGIA DA DIVERSIDADE

  1. Pedro says:

    A Parada tá longe de ser uma “festa meramente econômica”. Também não é um movimento político, não na concepção do movimento estudantil ou dos organizadores da Parada. A graça da Parada tá no alcance dela, mais ou menos do mesmo jeito que aconteceu com a Virada Cultural esse ano. Que ali tem política, que ali tem economia — dá pra achar isso em qualquer lugar. Que ali tem do vendedor hetero de vinho de garrafa de plástico até a lésbica mais rica dos Jardins, passando pela menina da periferia que foi lá só pra achar alguém pra beijar — isso é só na Av. Paulista, só durante a Parada.

  2. Diego says:

    Concordo com Do Contra, em certo ponto. Nessa luta, felizmente, a moral burguesa pós-industrial (que é hedonista e prega a tolerância e a inovação, a despeito de suas já conhecidas limitações)adere ao pluralismo socialista, embora possamos contestar a qualidade da adesão. Facilmente se vê (até mesmo pela mídia conservadora, que apóia a Parada)que é a rigidez moral quem se tornou odiosa em nossos tempos. É necessário, pois, rediscutir o que é a moral burguesa.

  3. Do contra says:

    Não é querendo ser do contra, mas já sendo, acho que o texto fala de anos atrás, não de hoje. Agora é uma festa meramente econômica, uma vez que o mercado já adotou a idéia de gostar de quem dá lucro. O capital já encampou a diversidade. E a parada por ter entrado no calendário turístico da cidade (será que tem mais alguma coisa nessa cidade aturística?) traz muitos consumidores de fora, com alta renda, sem filhos e aquela história que todos conhecem: gente que tem para gastar. É no mínimo triste que a “aceitação” se dê porque os GLBTT têm dinheiro, assim como se deu, em parte, com as mulheres. O machismo e o preconceito quanto à orientação estão firmes e fortes, somente bloqueados pelo véu do “politicamente correto”.

  4. Daniel says:

    Mto bom o texto, mas a letra é muito pequena, creio q muitos se sentirão desmotivados para a leitura devido a esse fato.

  5. Simplesmente Pessoa says:

    Muito legal vocês terem postado um texto sobre a Parada!
    Bem que podia ter um carro de som da Ocupa USP! rs.

    Abraços, beijos e boa caminhada!

    Apoio totoal a ocupação!

  6. oCUpante says:

    Pela primeira vez eu vejo uma reportagem da Folha declaradamente a favor da ocupação, pelo menos pelos termos utilizados e a suprema ironia…aliás muito boa reportagem de Laura Capriglione

    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0706200718.htm

    “Um grupinho de professores, funcionários e estudantes (poucos) começou a se reunir ontem logo cedo em frente ao portão(…)

    Meio confuso, dirigiu-se à massa lá embaixo: “Companheiros… Ou eu devia dizer camaradas?” Depois de se decidir por “colegas”, Sawaia convocou os presentes: “Vamos caminhar de braços dados, à la francesa, formando fileiras de dez [pessoas] -que é para parecer mais gente do que somos.”

    (…)a primeira passeata reacionária a ser vista por ali.”

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