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Por que Adorno e Gianotti, por exemplo, e para principiar a sua utilidade ao bem público, não se unem e defendem a melhoria da escola pública? Arrisco uma resposta: porque, para ambos, talvez faça parte da hipocrisia nacional, de esquerda ou de direita, não assumir que é da péssima educação básica que depende a fama e o renome de quem consegue sobreviver ao autoritarismo cultural dominante na UNiversidade de São Paulo, a qual, segundo eles, é a terra da razão e da ciência. Se, porventura, eles defendessem a educação pública de cima a baixo, não teriam como julgar o movimento universitário irracional e as políticas da educação básica como frutos da melhor ciência de nosso século. Ambos sabem a verdade, e sabem que a fragmentação da educação em diferentes secretarias apenas vem confirmar o idéario que a sociedade faz da educação como um todo: cada fase da educação é desigual e desigualmente deve ser oferecida e estruturada. No final das contas, os governos federal e estaduais terminarão por implodir tudo, e será a privatização. Entretanto, de que valem essas minhas palavras, se elas confrontam inimigos respaldados pela institucionalidade de seus discursos, assim autorizados?
Aceitemos: eles podem dizer o que quiserem, e nós, estudantes, não; mas somente porque não somos institucionais, como eles o são! Por isso, para nós, os termos democracia, razão, instituição e educação não mudam de sentido nem de lado, porque não somos, felizmente, como eles, senhores dos sentidos das palavras.
O Poder Institucional e o Sentido das Palavras
A crise ocasionada pelos decretos do governador José Serra na USP, e a subsequente discussão acerca da desobediência civil e da irracionalidade dos estudantes levantada pelos professores Adorno e Gianotti, contribuíram com tópicos dos quais eu poderia extrair argumentos para pensar sobre o educação brasileira. É interessante notar como a verdade, na política brasileira, depende absolutamente da autoridade e do caráter renomado do autor da fala, da relevância (para as elites) da matéria da fala, e da maneira (retórica) pela qual essa fala se apresenta.
O professor Adorno foi sutil, Gianotti, como sempre, veemente. É que o primeiro ainda não tem tanta autoridade, por isso fala de modo complicado o que poderia ser expresso em poucas linhas: acho o Brasil um Estado de Democrático de Direito e os estudantes são seres que não têm força legal para concordarem ou não com o poder discricionário do governador. Já o segundo, autoridade máxima no departamento de Filosofia, do mesmo modo como sempre destratou e ofendeu os alunos em sala de aula, vem com todo seu ímpeto defender a instituição a mais racional de todas, a sua USP, em detrimento de alunos que, segundo ele, só querem moradia indefinida na cidade universitária. Ele pode falar assim só porque ninguém o enfrenta nos corredores da FFLCH, sob risco de expulsão, ou pior, aniquilamento no mundo intelectual? Quais as armas que os estudantes têm diante de todo esse poder institucional atribuído, por exemplo, a esses dois titulares?
Mas,se ambos fossem professores de educação básica, o primeiro sobreviveria, pois ninguém daria a mínima para sua linguagem cheia de sutilezas; o segundo, morreria na primeira vez que chamasse um aluno de “burro”. Os alunos de periferia reagiriam às palavras do primeiro como reagem aos discursos dos parlamentares, com indiferença; reagiriam à veemência do segundo como combatem a truculência de funcionários públicos negligentes e autoritários, ou seja, violentamente. Eles desconhecem absolutamente o o que é violência em uma instituição de ensino.
Talvez é isso que falte para a elite intelectual que apóia o monárquico Poder Executivo: senso de medida das palavras e adequação das mesmas à realidade da vida na educação brasileira. Talvez falte a vontade de abandonar o posto de elite cultural cuja existência se deve à justificação e defesa do Estado Democrático de Direito, o qual apenas subsiste como fonte de dominação legítima da elite econômica.