Adriana Dias, Mestranda em Antropologia Social, UNICAMP
A presente reflexão tenta se centrar na relação entre estudantes, imprensa e Estado. Os estudantes da USP (mas, o movimento amplia-se para todas as Universidades Públicas Paulistas), a imprensa é a grande mídia (em especial a conduzida pela Globo, pela Folha de São Paulo, pelo Estado e pela Veja – nesta em especial o blog do colunista Reinaldo Azevedo[1]) e o Estado é o paulista, neste início de “gestão” do governador José Serra. Não pretendo dar conta da relação, nem esgotar o assunto, mas gostaria de problematizar como os estudantes são tratados pela grande mídia, pelo governo, em suas comunicações a esta mesma mídia. A situação está a tal ponto absurda, que no Observatório de Imprensa, o jornalista, pós-graduado em Ciências Sociais, pela USP, Luiz Weis comentou: “Dá vontade de ocupar as redações da Folha e do Estado em protesto contra a lastimável cobertura da crise aberta nas universidades públicas paulistas, em especial na USP, pelo decreto do governador José Serra de 1º de janeiro, que "organiza a secretaria de Ensino Superior e dá providências correlatas[2]”… Esta observação revela como o evento da ocupação da USP por estudantes, em 3 de maio último, divide a imprensa: há a grande mídia, que deseja intervenção policial na USP, contra os “vândalos”, “mentirosos”, “vagabundos”, “remelentos”, para citar apenas algumas das formas como a imprensa se dirige a estudantes, que, diga-se de passagem, conquistaram o “status” de estudantes da USP, por meio de um processo vestibular que se encontra entre os mais difíceis do país, há uma outra mídia que reclama o direito à desocupação pacífica pautada ela negociação e pelo diálogo com a reitora, nunca com os policiais.
O governador José Serra, ainda que nas últimas horas tenha se pronunciado “a favor da desocupação pacífica”, talvez diante da enxurrada de críticas que recebeu desde que o estopim da ocupação da Reitoria pelos alunos explodiu seu ideal de governo exemplo-perfeito-garantidor-de-eleição-presidencial, a primeira postura de José Serra foi a de criticar duramente os alunos, atribuindo seu ato ao "desejo de agitar" e baseado em "mentiras". A este comentário acrescentou o seguinte, legitimando-o por ter sido presidente da UNE: “Fazíamos agitação. Estávamos baseados em posições políticas, em teses que podiam ser discutíveis, mas eram verdadeiras. Não estavam baseadas em miragens e mentiras”.
A Folha de São Paulo adota a postura de encarar a ocupação como “uma invasão”, e dispara no sensacionalismo das fotos, mostrando helicópteros da Polícia Militar sobre o prédio da reitoria”, fotos do comandante da operação, com sugestões de como os jovens devem se proteger de um provável confronto: “é preciso evitar óculos e lentes de contato”. Na verdade, é a própria folha que parece evitar “óculos e lentes de contato” no seu confronto com a verdade: várias vezes avisou que o patrimônio havia sido destruído ou documentos teriam sido extraviados, para ser desmentida por fotos e testemunhos postados pela Internet afora. Nasce uma nova arena de debate, e a possibilidade de ver fotos e filmes, disponibilizados pelos estudantes, parece ter esvaziado, pelo menos um pouco, a possibilidade de “se inventar qualquer coisa pelo discurso”, como um jovem postou num comentário.
A ocupação da reitoria, ato a que eu credito a condição de legítimo, de pacífico, de preservador, da Universidade Pública e dos direitos constitucionais garantidos, se instala como uma resposta a um Executivo que insiste em governar por decretos, e enquanto o faz, precariza as condições educacionais, se recusando ao debate e ao diálogo. Diálogo e debate amplamente aberto aos estudantes, que exibem na Internet sua pauta de reivindicações, as críticas que recebem, as monções de apoio que lhe são dadas.
Fala-se, nos portais que se afinam com a fala do governador, que as Universidades públicas são elitizadas, ignorando o grande número de alunos pobres que nelas entram, vencendo a lógica de exclusão do ensino público fundamental e médio, fala-se que eles são “um povo apartado da realidade”. Pede-se por um grande líder, que use da força e os faça calar. Diz Hannah Arendt: “o povo, em todas as grandes revoluções, luta por um sistema realmente representativo, a ralé brada sempre pelo «homem forte», pelo «grande chefe».[…]”. Esta imprensa não é a voz do povo. É a voz da ralé. Os estudantes lutam pelo povo, querem ampliar o debate acerca da educação pública de qualidade para evitar que, no estado de São Paulo, a universalização do ensino superior se mescle com a depredação absoluta, como aconteceu ao ensino médio e ao fundamental durante todos estes anos de governo “desenvolvimentista”. E de quem seria culpa desta perda de qualidade? Dos nordestinos, como afirmou José Serra, ainda candidato? Claro que não: a culpa é dos que evitam “óculos e lentes de contato” para evitar ver o compromisso necessário: educação de qualidade se faz com verbas, com política públicas de valorização do professor, com incentivo à politização dos alunos, para que como estes, da USP se mobilizem, por si, pelo futuro, respeitando a aliança insolúvel, garantida constitucionalmente entre pesquisa, ensino e extensão, que os decretos visam fragmentar.
Este é um movimento popular, o vídeo do dia das mães, disponibilizado pelos alunos em seu blog[3], é uma amostra de como esses alunos souberam preservar o sentido de povo. Usar de força policial é totalitário: eles questionam um ato administrativo, apontam, junto com juristas, jornalistas, sociólogos, antropólogos, filósofos, cientistas políticos, artistas, e outros intelectuais de várias áreas, para o avanço sobre a autonomia das Universidades Paulistas. Governador, miragem é achar que vai se resolver isso com força, mentira é negar a verdade e a força de sua luta política.