… continuando

CM – Qual o significado simbólico da presença da Polícia Militar no campus? Trata-se apenas de autoritarismo? Olgária – Não é autoritarismo, é pior. Porque quando há autoritarismo, ele previne muitas vezes o uso da força policial, porque já faz [implicitamente] o papel de polícia. Não é que os policiais sejam maus. Mas o que significa a presença da polícia armada dentro de um campus, sendo que as nossas únicas armas são os livros e o pensamento? É muito grave, porque se ocorrer isso, serão armas desiguais, e o recinto universitário é um lugar que fica distante do conflito armado urbano. Enviar a Polícia Militar neste caso é como tentar intimidar um movimento civil, intelectual e político dos estudantes. Seria responder a isso com a força bruta, então é totalmente absurdo. CM – A senhora diz que as reivindicações são legítimas. O que pensa da ocupação na Reitoria? Olgária – Eu acho que os estudantes que lá estão têm consciência de que eles não representam todos os estudantes, todos os professores e todos os funcionários da universidade. Se eles discutiram e na dinâmica do movimento estudantil foi decidido assim, não cabe a nós julgar. Não sei, mas talvez eles se sintam desatendidos e não encontraram quem intermediasse as suas reivindicações. Acho que [ocupar] foi uma atitude extrema, mas toda esta politização amadurece e ensina. Todas as reuniões, estas discussões, tudo isso esclarece a consciência dos atos dos alunos. Isso amadurece a vida política da universidade e dos estudantes. Antes de avaliar se é legítimo ou não, acho que vale olharmos a politização que o ato teve e em como isso vai ficar na história da universidade. CM – Existe um consenso dentre os professores de que utilizar a força policial para fazer a desocupação da Reitoria é desnecessário? Olgária – Os professores não querem violência na desocupação. O que não é consenso é sobre a ocupação ou não da Reitoria. Há professores que crêem que ocupar este prédio é um excesso de ativismo. Simbolicamente é um lugar muito importante, é o lugar da autoridade, a Reitoria, que é necessária para coesão de toda a vida universitária. É claro que há muitos professores que não pensam que [a ocupação] é uma atitude que deve ser promovida ao status de arma política ou forma de luta política. Agora, parece que as últimas gestões da Reitoria e das direções dos cursos vêem os estudantes como uma parte desprezível ou secundária na vida universitária. Na verdade, a razão de ser da USP é a docência e a pesquisa, que não são duas coisas separadas. A docência existe, então é essencial existirem aulas. Eu acho que os estudantes são a matéria nobre da instituição, e vejo uma desconsideração [da Reitoria]. Se a reitora Suely Vilela marca uma audiência pública e não pode aparecer [primeira razão do protesto dos estudantes], ela deveria enviar alguém, um representante. Os estudantes não estão [fazendo a ocupação] em uma causa vazia. Eles querem defender a universidade. Em vários países do mundo, a universidade está a salvo das ingerências policiais, porque ela é a única capaz de garantir pensamento livre. As novas idéias não podem ser cerceadas. Então você tem que responder intelectualmente ao movimento estudantil, que está fazendo uma defesa da autonomia universitária. Não é só autonomia orçamentária, mas é de pesquisa e de deliberações. É uma questão de filosofia política séria. E mais: é uma questão de dignidade institucional. Não dá para inverter uma lei que foi conquistada com muita luta dos docentes, depois de um longo período de ditadura. Ou seja, estes decretos causam uma reação instantânea de quem entende o que é a universidade. A sociedade brasileira entende mal o papel de uma universidade, infelizmente. Nosso país tem elites avarentas no seu conhecimento, que não querem compartilhá-lo com a sociedade. A universidade é mal-entendida, por isso há espaço para a reitora Suely não se dispor a negociar mais. Até agora, os professores tentaram fazer algumas comissões para negociar com ela. Mas Suely não recebe nem estes grupos, formados às vezes por professores universitários e intelectuais renomados. CM – A senhora acredita que os decretos de fato ferem a autonomia universitária? Olgária – Claro que ferem! Só a idéia de ter um decreto já fere a autonomia. Não dá para dizer o contrário quando existe uma rotina consolidada na universidade mais importante da América do Sul, e que acaba alterada desta forma. A universidade sabe o que faz, o que precisa e o que conduz. Ela presta periodicamente contas ao governo, e sabe a dinâmica de seus cursos, de suas publicações, de suas relações com docência, pesquisa, extensão, os congressos, as relações com outras universidades, com o ensino superior estrangeiro. O governo que está fora dela vai deliberar se o que a universidade faz está correto ou não, se tem qualidade ou não. O governo é uma instância burocrática político-administrativa externa à universidade, que tem que dialogar. Mas não é na forma de decreto que se cria essa conversa, isso é uma expropriação das práticas e consciência universitária, isso é gravíssimo. Foi um sinal claro do fim da universidade pública, gratuita e de qualidade. Estamos vivendo o fim desse tipo de ensino superior. Trata-se de um processo maior do que o governo de José Serra (PSDB-SP), que é apenas um emissário desta situação [de mercantilização] das universidades.

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