Da mesma forma que eu, aluno da USP, assisto ansiosamente o desfecho deste episódio do meu cubículo no escritório, torcendo e me preocupando da integridade física de amigos e companheiros, diversos pais, irmãos e amantes antecipam ansiosos a reintegração do espaço administrativo da USP.
É neste momento que devem ser feitas algumas reflexões que, ao meu ver, têm sido sistematicamente ignoradas. A ocupação da Reitoria da Universidade de São Paulo por alunos, funcionários e professores expôs ao debate público as condições precárias de sucateamento as quais estão submetidas as Universidades Estaduais Paulistas, notadamente a USP. Esta ação de desobediência civil tem alimentado as mais diversas paixões, divididas entre o apoio e o repúdio. a Imprensa Paulista e Tucanófila tem trabalhado arduamente para desqualificar a ação destes alunos, negando-se a discutir suas pautas e (des)informando sobre os seus objetivos. É necessário fundamentar um alicerce de debate sólido e coerente, alicerce que a mídia gorda e corrupta tenta evitar.
Em primeiro lugar, deve-se entender que a questão da transparência orçamentária não está em debate. A USP já apresenta as suas contas publicamente desde 1997 e tal fato nunca foi visto pelos estudantes como obstáculo. Tem-se usado este argumento falso para vilipendiar as reivindicações estudantis como moralmente incorretas e socialmente condenáveis. O que se encontra em debate é a questão do sucateamento e do fim da autonomia, personificadas, respectivamente, pela degradação do patrimônio material da universidade e orientação "operacional" da produção científica. Estes efeitos danosos são consequências inevitáveis dos decretos assinados pelo governador, que burocratizam os remanejamentos das verbas das universidades e priorizam a mercantilização do espaço acadêmico em detrimento da produção livre e crítica do saber.
Outra forma de ataque a estes corajosos alunos é a desqualificação de seu movimento através de seus "fins políticos". Tal argumento é estulto e desprovido de sentido. É óbvio que tem conotações políticas, visto que traz ao debate um espaço público tremendamente importante e que é constantemente preterido pela imprensa em favor de matérias sobre bandas de axé e o RDB: A questão das Universidades Públicas como os mais importantes pólos de produção científica do nosso país. A resistência dos alunos frente ao sucateamento deste espaço pressupõe uma clara posição afirmativa que luta pela conscientização de que apenas através da universalização da excelência educacional, científica e tecnológica, que o nosso país poderá ter alguma esperança de adentrar no rol das nações socialmente desenvolvidas. Não será através da exportação de commodities que faremos isto. Debater o futuro da universidade é debater o modelo de país que queremos, transcendendo esta reflexão para questões essenciais que fogem da esfera do campus e invadem as favelas, a pobreza, a violência, a concentração de terra e de renda, o preconceito de gênero e etnia. Se isto não é política, eu sei mais o que poderia ser. Cobrar a "apolitização" dos Estudantes é pedir que eles neguem a essência daquilo que faz a Universidade Pública um pólo de excelência: O debate aberto e crítico, pautado pela ética e responsabilidade social.
Ao clamor que condena a "partidarização" do movimento, devemos cobrar ao menos coerência dos opositores. Estes devem decidir se o movimento é partidário ou não. Ao mesmo tempo que clamam o controle do movimento por partidos politicos, tentam desqualificar o caráter difuso do movimento, visto que este, deliberadamente, abortou qualquer tentativa de centralização de poder. A verdade é que a ocupação se caracteriza por uma liderança pulverizada em diversas comissões de caráter temporário. Seus membros negam qualquer liderança individual ou partidária, manifestando-se somente através destas células organizativas. Todas as decisões são tomadas através de assembléias abertas, sem a existência de qualquer forma de direção. Esta forma de organização permite forte coesão interna, ao mesmo tempo em que é profundamente democrática, ao ponto de desestimular estudantes membros de partidos políticos a não se manifestarem em nome de suas organizações partidárias, visto que estão absorvidos em uma forma trans-partidária de organização. Discordando do Sr. Sérgio Adorno, que "não vê uma representatividade política clara", digo que assistimos a uma forma anárquica de representação nos moldes das Zonas Temporárias de Ocupação. Para mim, o modelo representavivo é absolutamente claro: Não há representação. Todos tem voz no movimento. Kropotkin e Malatesta ficariam orgulhosos destes estudantes. Se o Sr. Adorno não percebeu é porque não leu estes senhores. O pensamento de esquerda transcende as fronteiras do Marxismo, Doutor.
Por fim, devemos salientar a diferença entre ocupação e depredação do espaço público. A ocupação, ao contrário do que a grande imprensa vocifera, reifica a noção de espaço público, retira a sua impessoalidade e o torna também um espaço de convivência social. Desta forma, a coisa pública tona-se propriedade de todos, em contraposição à "propriedade de ninguém", tão característica dos espaços políticos de nosso país. A reitoria se encontra em perfeito estado de conservação. Suas instalações são preservadas pelos próprios alunos, conscientes de que é por esta que se sacrificam ao defender a autonomia universitária. Estes constituíram uma comissão de limpeza e preservação, responsável pela manutenção da limpeza e preservação dos equipamentos, missão até agora exercida com competência. Para aqueles que só acreditam no que os olhos veêm, é possível ter acesso através da ampla rede de divulgação criada pelos estudantes, inclusive através de trasmissão podcast.
Tais alunos, esta noite, dormirão sob o frio da madrugada paulistana. Continuam resistindo frente a uma ofensiva atroz da imprensa marrom a da possibilidade de ferimentos graves em uma iminente reintegração. Nesta situação é sempre importante salientar as razões pelas quais lutam: Universidade Pública de Qualidade com acesso universal a todos os Brasileiros. A defesa da Universidade Pública é a defesa de um país socialmente mais justo, alinhado com o destino manifesto de Rodó: a iminência de uma "Raça Cósmica", onde a criatividade e o mérito suplantarão as nossas terríveis chagas que há tantos anos nos acometem.Heróis ou vagabundos? Acho que a minha opinião está clara. Qual é a sua?
Quero parabenizar a manisfestação do colega uspiano para a USP VIVA. Não havia encontrado em nossa mídia comercial texto tão informativo sobre o movimento dos estudantes da USP, sua coragem e organização. Visitei a ocupação de forma muito discreta e a impressão que tive foi exatamente esta que o colega descreve.
Marly A. Cardoso
Faculdade de Saúde Pública/USP